Fala-se muito sobre a guerra nas antigas colónias africanas, mas diz-se pouco, escamoteando-se as verdadeiras causas da guerra e da forma como acabou. Os factos falam por si. O que se segue mais não é que um rol de acontecimentos que vieram na imprensa a seguir ao 25 de Abril. É fácil de consultar, seguimos as notícias do jornal “A Capital”.
Em suma, os factos, os mais relevantes, podem ser resumidos em duas linhas de pensamento:
1- O MFA e o seu principal líder, o general Spínola, não desejavam a independência das colónias e os partidos, os principais do establishment de então, defendiam a realização de um referendo;
2- As colónias tornaram-se independentes graças à luta dos seus povos e à solidariedade de uma parcela importante do povo português – ninguém deu nada a ninguém.
Mas vamos aos factos:
26 de Maio – «Ordem do PAIGC para suspender a guerra enquanto decorrem as negociações de Londres. Antes de se iniciarem as conversações, Mário Soares declarou que o seu objectivo era conseguir o cessar-fogo. E logo depois – prosseguiu – os guerrilheiros serão convidados a tomar, abertamente, parte nas actividades políticas.
Finalmente – declarou ainda Mário Soares – há-de verificar-se a autodeterminação – provavelmente através de um referendo – e por último a independência, se for esse o resultado escolhido em plebiscito».
27 de Maio – «A importância de Cabo Verde . (…) Neste momento, 82 países reconhecem a existência da República da Guiné-Bissau. No entanto, politicamente, e de acordo com o que a maioria dos observadores pensa, Portugal insistirá essencialmente no cessar-fogo para nessas condições se proceder a um referendo.
Aqui em Londres, Mário Soares disse que a questão do Arquipélago de Cabo Verde não foi abordada, mas que ele estava preparado para a discutir se o PAIGC levantasse esse ponto».
27 de Junho – «Expulsão do Senegal de dirigentes da FLING. Tal como “A Capital” revelou ontem, em primeira-mão, através de parte de uma entrevista concedida ao nosso enviado especial, Manuel Batoréo, o presidente da República do Senegal, Leopoldo Senghor, anunciou que os dirigentes da FLING (Frente de Luta para a Independência da Guiné-Bissau) que já tinham sido postos em regime de residência vigiada serão expulsos do Senegal.
(…) Senegal considera autodeterminação ultrapassada. Entretanto Daouda Sow, ministro senegalês da Informação e das Telecomunicações, afirmou hoje numa conferência de imprensa que, na opinião do seu país, Portugal deve «simplesmente reconhecer a República da Guiné-Bissau» instaurada em 24 de Setembro de 1973 e outorgar a independência completa ao P.A.I.G.C.»
28 de Junho – «Não são insuperáveis as dificuldades surgidas no diálogo com o PAIGC – afirma o ministro Almeida Santos em Argel. Almeida Santos, ministro português da Coordenação Interterritorial, declarou numa entrevista publicada hoje de manhã pelo jornal argelino «Al Chaab» que o novo Governo português irá «tão depressa quanto possível e tão lentamente quanto necessário» na sua política de descolonização dos territórios africanos.
O ministro português sublinhou que a nova Constituição Portuguesa, a preparar pela nova assembleia constituinte eleita, “estipulará o princípio de autodeterminação dos territórios e basear-se-á numa consulta directa e universal das populações interessadas”».
28 de Junho – «O MPLA perante o “25 de Abril”. Formaram -se em Angola, depois do 25 de Abril, mais de trinta movimentos políticos, indica uma declaração do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) publicado em Brazzaville.
Segundo o MPLA “esta proliferação de partidos e de organizações de carácter político constitui um perigo, na medida em que, por falta de apoio real, a maior parte destes partidos poderia ser manipulada por diferente interesses colonialistas”».
29 de Junho – «Angola: os claros-escuros do 25 de Abril. Quase intacto o aparelho fascista. Quase intacto o aparelho fascista. Diz-se em certos sectores da capital angolana que o «25 de Abril» ainda não chegou a Angola. É verdade. O aparelho fascista permanece quase intacto. Daí que se observe nos centros urbanos e nas regiões do interior onde (ainda) não chegou a luta armada, a mesma “paz podre”».
29 de Junho – «Questão colonial impõe grandes decisões. Reivindicações e greves. «O Partido (Álvaro Cunhal em comício realizado em 28 de Junho de 1974, no Campo Pequeno) insiste em que, na situação actual, a multiplicação de greves não servirá os interesses dos trabalhadores, e por isso, salvo casos muito especiais, só depois de esgotadas outras formas de luta, só em último caso, se deve recorrer à greve».
03 de Julho -«Lourenço Marques: Entrevista de Soares de Melo: «Não duvido da necessidade do referendo pois ele é uma busca de uma vontade colectiva sem a qual apenas se poderá prognosticar essa vontade», afirmou o Governador-Geral de Moçambique, dr. Soares de Melo, ao ser entrevistado pelo director do vespertino “A Tribuna”, Rui Knopeli, que lhe havia posto a questão da necessidade e possibilidade de referendar a independência de Moçambique. Ao iniciar a sua resposta o dr. Soares de Meio disse: “A pergunta merece desde logo uma rectificação, na medida em que pressupõe necessariamente a independência como resultado exclusivo de um referendo. Mas temos de admitir que poderá haver outras soluções políticas através desse referendo”».
04 de Julho – «Tripoli. Vítor Maia, ministro dos Negócios Estrangeiros de Guiné Bissau , chegou a esta cidade pare uma visita de alguns dias à Líbia, anunciou a Agência líbia de Informação.
Vítor Mala fez uma declaração em que afirmou, nomeadamente, que Lisboa não toma a sério as suas negociações com os movimentos nacionalistas africanos.
«Quanto à nossa posição – acrescentou – clara: deixamos a porta aberta ao reatamento das conversações. O nosso objectivo principal é que Portugal reconheça a independência do nosso país, o que já foi feito por mais de oitenta Estados».
04 de Julho – «Lourenço Marques. Continua a guerra da informação. Entretanto, espera-se para breve importantes remodelações naquele órgão de informação (jornal “Diário” do Arcebispado de Lourenço Marques), como foi anunciado há dias na sua primeira página. Os seus responsáveis, porém, nada mais adiantaram, sabendo-se apenas de concreto que o dono do Hotel Clube escreveu ao arcebispo, oferecendo 20 mil contos pela compra do «Diário», as oficinas, o prédio onde está instalado e ainda do «Século» de Joanesburgo, que também pertence ao Arcebispado. Esta verba é contudo substancialmente inferior aos 50 mil contos de que se tem falado, a propósito do interesse do grupo Champalimaud e do movimento da extrema-direita «FICO» Os «FICOS», aliás, apoiados por importante grupo financeiro, e na impossibilidade de adquirirem o jornal, propuseram-se alugá-lo por 500 contos mensais».
06 de Julho – «Nova frente em Moçambique. A Frelimo abriu dia 1 de Julho, na Zambézia, nova frente de combate contra o exército português – anunciou ontem Dar-Es-Salam, durante uma conferência de imprensa Samora Machel.
Com esta nova frente passam a ser seis, num total de onze, os distritos moçambicanos abrangidos pela guerrilha».
13 de Julho – «A Frelimo recusa referendo. O Comité para a Libertação de Moçambique, Angola e Guiné e a Comissão Coordenadora dos Trabalhadores Portugueses em Inglaterra, organizaram, em Londres, uma manifestação de apoio aos movimentos de libertação das colónias. Os manifestantes, entre os quais muitos portugueses, concentraram-se no Speakers Corner e desfilaram até Trafalgar Square, onde se realizou um comício.
(…) Contou com a presença de representantes da organização sindical portuguesa e britânica e de Mariano Mapsinhe, da comissão central da Frelimo:
(…) “Sugestão de uma consulta por referendo ao nosso povo não corresponde às realidades actuais do nosso País. Se esta sugestão tivesse sido feita em 1963, antes do começo da luta armada, teria sido aceitável e nós tê-la-íamos aceite. Mas, hoje, fazer tal sugestão significa ignorar a realidade. O nosso povo, ao pegar em armas e lutar, aceitando enormes sacrifícios, expressou em palavras de sangue a sua vontade de ser livre…”»
13 de Julho – «Partido do Centro Democrático Social apoia processo de descolonização. O partido CDS formula hoje, através de um comunicado, a sua adesão ao processo de descolonização dos territórios ultramarinos, que no passado dia 27 foi anunciado pelo Presidente da República. Refere o comunicado que a «declaração presidencial, na sequência da Lei constitucional nº 7/74, coloca a questão no âmbito do princípio da autodeterminação …»
O comunicado prossegue: «Ao formular a aceitação do princípio da autodeterminação, com todas as suas consequências, inclui-se naturalmente nestas a hipótese da independência. Por isso mesmo, a adopção do citado princípio implica logicamente o reconhecimento por Portugal, como Estados independentes, dos territórios ultramarinos que, no exercício do seu direito da autodeterminação, optaram pela independência”»
17 de Julho – «Acusações em Angola ao Governador-geral. O governador-geral e o comandante-chefe das Forças Armadas em Angola são ainda acusados de excessiva brandura, ou mesmo de complacência, em relação aos movimentos extremistas de direita. Esboça-se um vasto movimento no sentido de solicitar às autoridades de Lisboa a sua imediata substituição.
Embora o general Silvino Silvério Marques tenha sido designado governador-geral depois do ministro da Coordenação Interterritorial ter consultado os mais diferentes meios políticos angolanos, tem sido alvo de constantes ataques, em particular pelo Movimento Democrático de Angola. Logo que foi anunciada a sua nomeação, o jornal «A Província de Angola» publicou uma carta-aberta do jornalista Bobela da Mota, em que era recordada com ironia a acção do general Silvino Silvério Marques como governou Angola quando Salazar ainda era Presidente do Conselho».
19 de Julho – «“Amigos de Moçambique” regressam à violência – Jorge Jardim regressa a Moçambique? Jorge Jardim prepara-se para regressar a Moçambique, apesar de acusado recentemente de estar envolvido em actividades subversivas em território moçambicano – segundo informações publicadas no “Rand Daily Mail”, de Joanesburgo, onde aquele financeiro se encontra».
19 de Julho – «O problema da Guiné estará resolvido antes de Setembro. Após ó golpe que levou o Presidente António de Spínola ao poder, em Abril, a Organização de Unidade Africana pediu ao Brasil para utilizar os seus bons ofícios no sentido de persuadir Portugal de que chegara a altura de emancipar os seus territórios ultramarinos».
20 de Julho – «Convites ao boicote de jornais moçambicanos . O público notou que o jornal «Diário», de Lourenço Marques, ficou fora da lista. O «Diário» pertence à arquidiocese e tem vindo a defender teses de direita, sugerindo o prolongamento da guerra «até à vitória final» – que alguns leitores não hesitam em denominá-las de «agressões ideológicas» - pela pena de Tibério Gil, Pinhos Barreiros e do editorialista da primeira página».
20 de Julho – «A Imprensa brasileira e a Guiné—Bissau. «Brasil reconhece a República da Guiné-Bissau» é o título principal de ontem, na primeira página, do vespertino «O Globo». Também «A Notícia» traz a informação na primeira página, com o título «Guiné-Bissau reconhecida pelo Brasil». “O Estado de São Paulo” publica também a informação de Brasília na primeira página, com o título de «Brasil apoia Bissau». O "Jornal do Brasil” divulga a notícia com o título de “Itamaraty reconhece Guiné e a saúda como nação irmã”».
20 de Julho - «A Frelimo tem legitimidade para representar o povo moçambicano» - afirmou o dr. Pereira Leite. Grupos fantoches. (…) Referindo-se aos grupos fantoches surgidos em Moçambique depois de 25 de Abril considerou que «a “Frecomo” é apenas Joana Simeão, que Uria Simango não tem qualquer aceitação popular, o mesmo sucedendo com Cavandame».
22 de Julho – «(…) MFA e democratas discordam da entrega de «Notícias». A entrega do “Notícias da Beira" à Convergência Democrática de Moçambique (CDM) pelo Governo Provisório desta colónia «causou ao ser anunciada o maior pesar nos meios mais democráticos e não teve aprovação dos elementos da comissão regional do Movimento das Forças Armadas da Beira, tendo eles manifestado, inclusivamente, o seu parecer negativo ao secretário de Estado da Comunicação Social e Turismo», afirmava, na sua edição de ontem, o “Notícias da Beira".
(…) O dr. Pereira Leite relatou depois o que se tem passado em Moçambique quanto à Pide: «Após o 25 de Abril fizemos pressão para a libertação dos presos políticos. Depois de libertados, elaboramos um dossier em que ouvimos já cerca de mil presos, onde se narram os mais asquerosos tratamentos nazis infligidos a presos políticos. Ora, entretanto, os pides tiveram tempo de fugir. Inclusive o inspector Sabino, grande facínora cujo " hóbi" «antes de dormir era entrar numa cela e bater indiscriminadamente, quando soube que tinha mandato de prisão, teve tempo de fugir de táxi aéreo para a Rodésia». Seguidamente, referiu, «o coronel Afonso tem entravado o processo de apuramento de responsabilidades dos pides que cometeram autênticos crimes contra a Humanidade».
24 de Julho – «Reconhecido o direito à independência. O direito à independência dos territórios ultramarinos é reconhecido na lei constitucional nº 6/74, publicada no Diário do Governo, I Série, de 19 de Julho e hoje distribuído. Lembramos que o “Jornal do Brasil”, em notícia anteontem publicada, anunciava já estar pronta esta lei que, por força de quem decreta e promulga, vale como preceito legal (…). Art.º 1º – O princípio de que a solução das guerras no Ultramar é política e não militar, consagrado no nº 8, alínea a), do capítulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas, implica, de acordo com a Carta das Nações Unidas, o reconhecimento por Portugal do direito à autodeterminação dos povos.
Art.º 2º – O reconhecimento do princípio da autodeterminação, com todas as suas consequências, inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos e a correspondente derrogação do artigo 1º da Constituição de 1933».
«O caso da Guiné será resolvido até Setembro. «É muito importante a próxima visita a efectuar a Lisboa pelo secretário-geral Kurt Waldheim, tanto para a aceitação da sinceridade da nova politica portuguesa, quanto aos territórios africanos, como para os movimentos de libertação dos mesmos», afirmou a EFE o novo embaixador português da ONU, prof. Veiga Simão.
(…) «O caso da Guiné é diferente». No dizer do entrevistado (Veiga Simão), diferente há-de ser o tratamento do problema de Cabo Verde, para o qual o seu Governo preconiza um referendo quanto à autodeterminação».
«A Argentina reconheceu a Guiné. O Governo da República da Argentina decidiu reconhecer a Guiné-Bissau como Estado independente, anunciou ontem a agência da Imprensa Senegalesa. A Argentina pediu ao Governo da República do Senegal que sirva de intermediário, transmitindo desta decisão ao Governo da República da Guiné-Bissau».
29 de Julho – «Festa em Moçambique. Reacções da direita . (…) “Convergência Democrática”, que era considerado o mais inteligente e perigoso movimento de tendências neo-coloniais (constava ser altamente apoiado pelo grande capital e quase conseguiu comprar o “Noticias da Beira”), anunciou a sua dissolução na tarde de sábado, uma vez que a hipótese de referendo ou eleições, dama porque se batia tão galhardamente, tinha sido pulverizada pelo discurso. Enquanto isto acontecia, o “Fico”, os “Federalistas”, a “Frecomo” e outros agrupamentos similares remeteram-se a um completo silêncio esperando-se, contudo que se pronunciem brevemente. Por fim, resta acrescentar que diversos membros do demissionário Governo Provisório declararam abertamente a sua satisfação pelo reconhecimento do direito do povo moçambicano à independência»
Imagem de destaque: Hasteamento da bandeira da Guiné-Bissau após o arrear da de Portugal em Canjadude em 1974. Em 24 de setembro de 1973, o PAIGC declarou unilateralmente a independência da Guiné-Bissau.
Fonte e crédito da foto: https://temposdecolera.blogs.sapo.pt/a-questao-da-independencia-das-colonias-225361