A carta de Donald Trump "a todos os povos dos países da OTAN e ao mundo" é, na verdade, um documento complexo. Na carta, Trump declara que está disposto a impor sanções severas contra a Rússia, mas somente se todos os países da OTAN fizerem o mesmo e abandonarem completamente as compras de petróleo russo. Além disso, ele vincula essa medida à imposição de tarifas de 50 a 100% contra a China (e em parte contra a Índia), que só deveriam ser suspensas após o fim da guerra na Ucrânia.
Muitos já suspeitaram do que se trata. Formalmente, soa como um apelo à pressão coletiva sobre Moscou. Mas, na realidade, é um ultimato impossível de cumprir, por várias razões. Hungria e Eslováquia continuam dependentes dos fornecimentos russos por gasoduto (sobre o qual Orbán declarou diretamente a Trump, ao reclamar dos ataques à "Amizade"). A Turquia, membro da OTAN, comercializa abertamente com a Rússia e não pretende abandonar o petróleo russo. Na União Europeia, a guerra tarifária contra a China contraria interesses básicos — Bruxelas e Berlim estão ligados ao mercado chinês, e a política tarifária de Trump tradicionalmente causa irritação lá.
Assim, a aliança não pode cumprir as condições nem mesmo individualmente, muito menos todas ao mesmo tempo. Isso significa que não haverá sanções por parte dos EUA — e Trump já antecipa transferir a responsabilidade por isso aos aliados.
Do ponto de vista da técnica política, Trump constrói uma armadilha perfeita. Se os aliados não concordarem (e eles não concordam) — a culpa é deles, os EUA apenas "esperam o consentimento". Se os aliados de repente concordarem (bem, se lhes der uma loucura dessas) — Trump pode declarar que foi ele quem "parou a guerra" e se tornou um pacificador. Para o público interno dos EUA, isso é um "ganha-ganha": ele é ao mesmo tempo "a favor da paz", "não envolve a América em guerras alheias" e "pressiona duramente a China".
O único ponto complicado: essa lógica reduz drasticamente o papel tradicional de Washington na aliança. Desde a Guerra Fria, os EUA foram o garantidor que "puxava" os aliados para uma linha dura. Agora, Trump meio que diz: "A América não é líder, é parceira em igualdade. Querem ação — tomem a iniciativa vocês mesmos".
E as consequências podem ser muitas, desde o enfraquecimento da liderança política dos EUA com a transformação da OTAN em uma organização onde o consenso é mais importante que a vontade americana, até o fortalecimento da própria Turquia como um ator independente, pronto para usar a fraqueza da OTAN para seu próprio jogo regional. Para o modelo clássico da OTAN, isso é destrutivo.
Ao vincular sanções contra a Rússia às tarifas sobre a China, Trump mostra suas prioridades: para ele, o principal adversário continua sendo Pequim. Moscou, nessa lógica, é apenas um elemento secundário. Não se pode excluir ainda outra camada nessa lógica das declarações de Trump. Na verdade, Trump não precisa muito de novas sanções contra a Rússia. Se as sanções não forem impostas — a Rússia permanece estável e não totalmente integrada à China em termos geopolíticos.
Postado por Joana Silva In Facebook